Limite
Produção
ago/1929
Nascimento da ideia em Paris.
out/1929
Desenvolvimento do projeto no Rio de Janeiro.
mai/1930
Filmagens em Mangaratiba.
out/1930
Período de filmagens no Rio de Janeiro.
dez/1930
Início da montagem.
jan/1931
Fim da montagem.
mai/1931
Pré-estreia no Capitólio.
Ao voltar da Europa, em outubro de 1929, Mário Peixoto trazia na bagagem o “draft” que tinha resultado da visão da capa da revista “Vu”. A vontade de realizar um filme, possivelmente já latente nele desde a descoberta do cinema sendo feito em “Barro Humano“, tinha se intensificado e levado Mário à decisão de fazer um filme. Voltou a participar do Teatro de Brinquedo e do meio cinematográfico carioca ligado a Adhemar Gonzaga e Pedro Lima. Esteve provavelmente nas filmagens de “Lábios Sem Beijos” e de “Saudade”. Apoiado pelo grupo de amigos do Teatro de Brinquedo, Mário Peixoto sugeriu desenvolver o “draft” de Paris em um “scenario” – o que fez em uma manhã. O grupo, no início, relutou em aceitar o “scenario” de Limite, mas o apoio de Brutus Pedreira foi decisivo – e, afinal, quem iria financiar o filme era o próprio Mário.
Não sabemos em detalhes como as providências foram tomadas, nem em que datas, mas certamente ocorreram entre a volta de Mário Peixoto da Europa em outubro de 1929 e, provavelmente, maio de 1930, quando a filmagem começou. Fiel à sua intenção de ser ator, Mário não pretendia dirigir o filme e ofereceu a direção a Adhemar Gonzaga e a Humberto Mauro – que recusaram. Tanto por causa de um “scenario” que não correspondia ao “modelo” do cinema brasileiro, que ambos tentavam implantar, quanto devido a razões práticas: Gonzaga estava tornando a Cinédia operacional e filmava “Saudade” e Humberto Mauro estava iniciando a segunda versão de “Lábios Sem Beijos”. Diante da dupla recusa (e provavelmente estimulado ainda por Brutus Pedreira), Mário Peixoto aceitou o desafio de dirigir Limite.
Se Adhemar Gonzaga não aceitou dirigir Limite, nem por isso não ajudou – e ajudou muito: indicou Edgar Brasil para fotografar o filme (e junto com Edgar veio Rui Costa, então estudante de Belas Artes) e pediu a Pedro Lima que mostrasse o álbum de atrizes da Cinédia (ou, quem sabe, ainda do Cinearte Studio) a Mário Peixoto – que escolheu Yolanda Bernardi, que seria Taciana Rei, a mulher n.º 2.
A outra atriz, Alzira Alves, que seria a mulher n.º 1, com o nome de Olga Breno, veio da “bombonière” da Casa Globo, emprestada por Jorge Bhering de Mattos, empresário generoso e casado com Cornélia Luíza, prima-irmã de Mário Peixoto e um dos “anjos tutelares” de Limite. Jorge Bhering não apenas continuou pagando o salário de Alzira como também emprestou os refletores que iluminavam a fachada da fábrica Globo, para serem usados na filmagem. Edgar Brasil sugeriu a Mário Peixoto realizar o filme com a, então nova, película pancromática. Mário comprou uma Kinamo de mão, a corda, com chassis de 30 metros, segundo ele mesmo, a prestações. A sugestão foi provavelmente de Edgar Brasil que, tendo lido o “scenario” do filme percebeu que, certamente, alguns takes; ou porque deveriam ser muito móveis ou porque teriam que estar em posição difícil, exigindo uma câmera pequena e que fosse facilmente também operada na mão.
Adhemar Gonzaga conseguiu emprestada a câmera da Phebo, a Ernemann que realizou os primeiros filmes de Humberto Mauro.
A equipe localizou-se na fazenda Santa Justina, em Mangaratiba, de propriedade de Victor de Souza Breves, irmão de Carmen, mãe de Mário. Generoso, Víctor alojou a equipe, alimentou-a, proporcionou condução – um Ford (o Bye-Bye) e um pequeno caminhão, utilíssimo nas filmagens. E conseguiu um veleiro, o Santa Maria, para as cenas em mar alto. E também pôs à disposição de Mário Peixoto todas as facilidades, para que Edgar Brasil construísse o equipamento necessário para tornar a câmara móvel ou poder localizá-la onde a imaginação de Mário determinasse.
Tudo indica que as filmagens se iniciaram em maio. Segundo Mário Peixoto, os primeiros 300 metros foram jogados fora – não correspondiam ao que procurava. Depois, as tomadas de cena fluíram bem.
A engenhosidade de Edgar Brasil era notável: com os meios fornecidos por Víctor Breves, construiu toda e qualquer espécie de equipamentos mecânicos necessários para que as ideias que saíam da cabeça – e do olho de Mário Peixoto – se transformassem em imagem na tela, para os olhos de todos. Edgar Brasil construiu, graças a essas facilidades, vários tipos de equipamentos que permitissem, tanto à Ernemann quanto à Kinamo realizarem takes móveis. “Travellings” para a frente, movimentos verticais, circulares e outros mais complexos foram executados. Esse equipamento era movimentado por força muscular. Edgar Brasil usou, também com propriedade e eficiência, a Kinamo de mão: foi com ela que filmou os “takes” das rodas do trem, as pegadas dos amantes, na areia da praia; o avanço rápido da câmera sobre a bica d’água e sobre o “ríctus” de desespero da boca de Taciana. Usou-a igualmente para expressar o seu desespero, movendo a câmera caoticamente sobre a paisagem. Foi usada também no barco, para filmar os takes que a Ernemann não pôde executar e sobre os ombros de Raul Schnoor para filmar os pés dele, andando, visto de cima verticalmente. Não havia lugar que Mário Peixoto indicasse que queria filmar que Edgar não colocasse lá a Ernemann ou a Kinamo; não havia movimento que Mário imaginasse, que Edgar não executasse com precisão. Construiu um praticável enorme para filmar Olga na estrada, tendo em primeiro plano um isolador de poste elétrico, e Rui Costa falava com admiração do arrojo de Edgar filmando à beira d’água, em “takes” muito próximos, para a sequência da tempestade. Nas filmagens de interior, Edgar usou habilmente o destelhamento como no caso do “shot” de Brutus Pedreira no alto da escada – um “shot” belíssimo – ou os refletores da fábrica Bhering nas sequências do cinema, tanto a da audiência quanto a de Brutus, preparando-se para tocar piano.
Adhemar Gonzaga continuava a ajudar: fazia o tráfego de laboratório entre Paolo Benedetti e a equipe de Mangaratiba, e Cinearte noticiava com frequência a produção e publicava fotos do filme sendo realizado.
O clima da filmagem foi o clima da amizade, da cooperação e da tranquilidade e todos os que participaram lembram dela como um tempo muito alegre e feliz. As filmagens terminaram provavelmente em outubro e a montagem começou. Segundo Mário Peixoto, realizou-se no laboratório de Paolo Benedetti; na sua casa em Almirante Tamandaré, 35, e no laboratório cinematográfico de Carmen Santos, na Tijuca. Foi lá que Carmen Santos encomendou a Mário o “scenario” de “Onde a Terra Acaba”. Entre outubro e janeiro de 1931, filmaram-se alguns “takes” adicionais no Alto da Boa Vista com a Debrie Parvo de Carmen Santos; os objetos de costura com a Mitchell da Cinédia, emprestados, câmera e estúdio, por Adhemar Gonzaga; a sequência da tempestade e a da prostituta de cais, com Carmen Santos. Mário Peixoto tinha exigido, como condição para escrever e dirigir “Onde a Terra Acaba“, que Carmen fizesse esta “ponta” e que seu nome não aparecesse nos letreiros de Limite.
Mário Peixoto dizia que o filme custou 60 contos de réis. Há evidências de que foi o pai de Mário, João Cornélio, que forneceu o dinheiro.
Brutus Pedreira, pianista e musicólogo, elaborou a trilha musical do filme com discos de 78 r.p.m.
Em 17 de maio de 1931, Limite foi exibido para o público pela primeira vez, às 10h 30min da manhã, no cine Capitólio. O Chaplin Club convidava, a Cinédia apresentava. Provavelmente Mário Peixoto não esteve presente à exibição. Desde 13 de maio, estava na Marambaia, filmando “Onde a Terra Acaba”. Uma outra exibição pública ainda ocorreu: em 9 de janeiro de 1932, quando a revista Bazar exibiu Limite, no Eldorado.
Limite não conseguiu distribuição e nunca foi exibido comercialmente, apesar dos esforços generosos de Adhemar Gonzaga. Este filme insólito na cinematografia brasileira permaneceu um corpo estranho nela, sendo exibido escassa, mas periodicamente, na Faculdade Nacional de Filosofia, graças a Plínio Süssekind Rocha.
Em 1959, o filme apresentou inquietantes sinais de decomposição: a película de nitrato, que era utilizada nos filmes até meados da década de cinquenta era instável quimicamente, e Mário Peixoto entregou, então, todo o material de Limite a Plínio Süssekind Rocha, para que ele tentasse a restauração. O trabalho estendeu-se até 1977. Nesse trabalho, Plínio teve a ajuda de seu aluno Saulo Pereira de Mello. Desde então, o filme voltou à circulação.
Saulo Pereira de Mello
Todas as informações contidas neste texto podem ser confirmadas no Arquivo Mário Peixoto.